quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O MLP (Parte 2): Brasil, os títulos norte-americanos, o FMI e a farsa




Neste segundo artigo sobre o modelo liberal periférico (MLP) irei mencionar o ufanismo em torno do falso protagonismo econômico brasileiro no cenário capitalista mundial e de uma, igualmentre falsa, economia estável e de bases sólidas.


De onde sopram tais ventos travestidos de confiança? Sopram do Planalto subserviente, obviamente, e não sem ajuda da grande mídia com sua cobertura confusa e inexplicativa.
Um bom exemplo é a relação recente Brasil-FMI:



"O Brasil está encontrando condições de solidez pra emprestar recursos ao fundo [O FMI], no passado era o contrário, ele que pegava emprestado. Agora, acumulou as reservas pra poder ajudar a comunidade internacional." Assim disse o ministro da Fazenda Guido Mantga após o empréstimo brasileiro de 10 bilhões ao fundo.
(Folha Online;
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u579349.shtml).


Relembrando o papel do FMI


O Fundo Monetário Internacional fora criado na famosa Conferência de Bretton Woods (1944) na reta final da 2° Carnificina intercapitalista mundial (esta com a participação decisiva da URSS). Tal conferência criou algumas das bases para que os EUA, os novos "donos do campinho" , organizassem o "jogo" da economia internacional de acordo com seus preceitos imperialistas.

As funções mais famigeradas do FMI somente ficariam expostas nas últimas décadas do século XX quando padrão de acumulação capitalista internacional bem como os parâmetros imperialistas norte-americanos estraram em crise. Era necessária uma ofensiva. Forjou-se então uma brutal crise de endividamento no Terceiro Mundo (isto é, países industrializados ou não que são periféricos no cenário econômico internacinal). Em quem iria socorrê-los desta imenso problema financeiro? Você já deve estar pensando corretamente: o FMI (com o seu irmão Banco Mundial), afinal ele havia sido criado para isso.
Assim, para que esses países pudessem adquirir mais empréstimos para rolar suas dívidas, teriam que sucumbir ao "socorro" das instituições FMI-BM, mas tal socorro não seria dado sem o cumprimento de pesadas e degradantes condições impostas:



 (a) "Independência" dos Bancos Centrais em relação à sua própria nação (algo que já tratei no artigo anterior).




(b) Na primeira fase é exigida a chamada "estabilização econômica" que pressupõe:
 - Manutenção de baixos déficits orçamentários para ajudar a conter a inflação e evitar problemas na balança de pagamentos;
- Manutenção de câmbio desvalorizado para adquirir maior competitividade nas exportações;
- Fazer com que o país possa adquirir reservas em moeda forte (dólar).
- Pacote antiinflacionário para conter a inflação causa pela desvalorização cambial. Mas ao invés de valorizar o câmbio atua sobre a demanda elevando os juros, o que gera recessão.





(c) A segunda fase é a de "Reforma estrutural" onde deverá o Estado-alvo:  - Realizar uma desregulamentação do sistema bancário que diminuirá os créditos subsidiados para agricultura e indústria e gerará uma onde de privatizações de bancos comerciais nacionais;
 - Realizar privatizações de empresas estatais em setores estratégicos (mineração, energia e telecomunicações) que deram-se de maneira totalmente corrupta e nebulosa, mas que para isso exigiram do legislativo alterar a própria constituição;


Adendo: Segue o vídeo "A Vale é nossa". Trata de uma das maiores mineradoras do mundo, criada e desenvolvida com o dinheiro e suor do povo brasileiro e que fora privatizada de forma corrupta em 1997. Seu leilão teve diversas irregularidades, todas ignoradas pela grande mídia!



- Fazer uma reforma fiscal que aumenta os impostos sobre o valor agregado ou sobre a venda, o que transfere os impostos sempre para o consumidor;
- Realizar uma desregulamentação do sistema bancário que diminuirá os créditos subsidiados para agricultura e indústria e gerará uma onde de privatizações de bancos comerciais nacionais;

 
O FMI é um banco com acionistas. E acionistas querem o que?

Não podemos nos esquecer que o FMI é uma instituição internacional financeira. Sendo assim, ela possui controladores, os acionistas. E adivinha qual é o maior acionista e o único com poder de veto no FMI? Pensou em Estados Unidos da América? Acertou mais uma vez.
 



O novo Brasil (para o governo e a mídia)


E nós sabemos: no campo da relações entre agentes do espaço geográfico (seja na escala intranacional, nacional ou internacional) existem relações de poder e dominação. A luta de classes ganha novos personagens e novas roupagens. Compreender a luta de classes no âmbito do imperialismo burguês é fundamental. A ajuda do FMI e de outras instituições não foi feita nas bases da solidariedade e tampouco de preceitos técnicos. Fora instrumento de extração de mais-valor das periferias em proveito das economias centrais, principalmente os EUA.
Veja, por exemplo, o que disse o insuspeito economista estadunidense Eugene Stiglitz que foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos no governo do Presidente Clinyon e Vice-Presidente Sênior Para Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial, onde se tornou seu economista chefe. As imagens (que iniciam no instante 2:39) foram recuperadas pelo belo documetário de Silvio Tendler sobre a ótica de geógrafo Milton Santos sobre a globalização:


Recentemente fora divulgada uma falácia: a quitação da dívida externa do Brasil. E mais: que agora passamos de devedores à credores. E tem outra: temos reservas suficientes para enfrentarmos qualquer tsunami econômico internacional. Vamos por partes.

 
1°) O Brasil não quitou a sua dívida externa. Ela continua existindo e, ainda por cima, crescendo. Mas cresce, na verdade, menos que a dívida interna.


Há muita gente que jura que o Lula conseguiu essa proeza. Ao contrário, podemos afirmar que nunca, na história desse país, o Brasil teve uma dívida externa tão elevada. De fato, a dívida externa total do Brasil – dívida externa pública (da União, de estados e municípios), dívida externa de empresas e dívida entre as filiais de empresas sediadas no país com as suas matrizes, no exterior – ultrapassa hoje o montante de US$ 300 bilhões.
(Economista Paulo Passarinho em http://www.rumosdobrasil.org.br/2011/06/03/o-brasil-o-fmi-e-o-mundo/)

Observe que a dívida externa continua crescendo, principalmente e parte privada desta dívida.
 


  
2°) O discurso do Brasil credor casa com aquele outro que eleva o feito de nossas reservas internacionais em dólar.



Já fizemos um esboço deste mecanismo no artigo anterior. O governo compra os dólares que ingressam no país e repassa o equivalente em moeda nacional (em troca dos procuradíssimos títulos da nossa dívida interna). Estes dólares são então investidos em algum lugar para renderem. Mas a que custo? Compramos dólar e pagamos por ele os mais altos juros do mundo (acima de 10%, aqueles que o "nosso" BACEN estipula) e investimos em fundos que nos rendem quase nada ou bem menos: o FMI e títulos da dívida norte-americana. É como se cada um de nós (aqueles que possuem alguma conta corrente) pegassemos dinheiro do cheque especial (cujos juros excedem 100% ao ano) e colocássemos na nossa poupança (que rendem 6% ao ano).

E tudo isso para que? Para garantir ao capital internacional (produtivo ou especulativo) que, quando queira sair do país (e tenha que converter seus reais em dólares), o Banco Central tenha dólares disponíveis para bancar a operação.
 



O gráfico mostra a evolução em crescimento das nossas reservas. Elas hoje ultrapassam a dívida externa. É aqui que o oportunismo opera. As nossas reservas internacionais em dólar em nada tem a ver com a dívida externa. Elas não servem para "quitar" tal dívida. Sua funcionalidade é garantir a liquidez do capital estrangeiro que aqui opera.

Dizer que essas reservas funcionam como uma blindagem para períodos de crise é uma hipocresia. A maioria da população brasileira, 60% segundo os dados do IBGE, ganha até 2 salários mínimos. E de quanto é o salário mínimo? Quinhentos e poucos reais. E qual é o princípio do salário mínimo? É a menor renda que possa garantir ao trabalhador e sua família uma vida digna. Sabemos que quinhentos e poucos reais não garantem dignidade alguma. A crise não chegará. Ela nunca saiu!





quarta-feira, 27 de julho de 2011

O modelo liberal periférico e o endividamento crescente do Brasil (artigo 1)

Este é o primeiro de uma série de artigos que visa popularizar a informação sobre o modelo de inserção econômica do Brasil no mundo nos últimos 30 anos: o modelo liberal periférico.
Iniciarei tentando esclarecer o papel fundamental que a taxa de juros possui para a sociedade brasileira, sempre no âmbito da relações de poder existente entre grupos e classes sociais.


Lula, ao contrário da expectativa de um número recorde de eleitores que nele confiaram, em linhas gerais apenas deu continuidade ao modelo liberal periférico. Este modelo de gestão capitalista teve seu início tímido na transição da ditadura civil-militar para a redemocratização, ganhou traços mais nítidos com o governo Collor e fora plenamente robustecido nos anos de FHC (1995-2002).



Não raro todos nós ouvimos na mídia que a economia do Brasil vai bem e é confiável. Mas não nos é dito, por exemplo, que todos os anos fazemos um esforço tremendo para economizar muito dinheiro para pagar uma dívida enorme que explodiu nos últimos anos: a dívida interna. Eita economia confiável.


Vamos tentar esclarecer alguns pontos.




1) Divida pública (interna e externa) em termos genéricos e concretos para o Brasil.


1.1) Dívida interna. Refere-se ao total de débitos financeiros que o governo deve pagar em moeda nacional para bancos e outras instituições ou pessoas sediadas/residentes ou não no Brasil. A dívida interna brasileira, até o Plano Real (1994), era inexpressiva. Hoje está em torno de 2,5 tri R$ e grande parte dela é devida a instituições/pessoas estrangeiras (por isso o conceito de dívida interna deve ser usado entre aspas).







1.2) Dívida Externa. Refere-se aos compromissos financeiros que devem ser pagos, em geral, em moeda estrangeira (embora atualmente o governo permita, desde 2005, a compra em reais de títulos desta dívida). Ela pode ser pública (quando feita pelo governo ou empresas estatais) ou privada (realizada por empresas privadas, mas geralmente assumidas pelo governo federal). Historicamente a dívida externa, iniciada com o pagamento da "independência" (do digno de feriado Sete de Setembro), sempre foi um problema para a soberania nacional. Hoje a usa importância é secundária em relação à dívida interna, mas ao contrário do que diz a mídia, ela continua aumentando. O gráfico a seguir mostra uma evolução positiva da dívida interrompida pelo pagamento antecipado ao FMI no ano de 2005. O FMI é apenas um credor pequeno em relação aos demais credores brasileiros.




2) As instituições em questão. 


2.1) O COPOM e a SELIC. Os juros da dívida pública brasileira estão atrelados aos juros oficias da economia (a famigerada taxa SELIC, criada em 1999). Estes juros são decididos pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central do Brasil. O COPOM foi criado no governo FHC (1996) para estabelescer as diretrizes nacionais de política monetária e ditar as taxas básicas de juro da economia brasileira, ou seja, é o COPOM que detém o poder de decisão sobre os instrumentos fundamentais de economia brasileira.


2.2.) O Banco Central (BACEN) e o Ministério da Fazenda: uma dupla que deve estar afinada. O BACEN é uma autarquia criada em 1964 (no primeiro ano do golpe civil-militar) para ser a principal autoridade monetária no Brasil (como é na maior parte dos países do mundo). O seu presidente, indicado pelo presidente da república, é quem coordena o COPOM que estabelece a taxa SELIC. Junto com o ministro da Fazenda, o BACEN decide os rumos da política econômica do Brasil.


A pressão dos grandes credores internacionais e nacionais da dívida pública brasileira (e de muitos outros países devedores) impõe que este banco tenha uma atuação administrativa "independente" de outras esferas do governo que foi eleito pelo povo. Ou seja, exige-se que um dos cagos mais importantes da nação não esteja sob controle do próprio povo que lhe confere legitimidade.



3) Os juros e as suas consequências.

3.1) O juros e a dívida interna. Quanto mais elevados forem os juros, mais iremos pagar pelo dinheiro que pedimos emprestado. Lógico! Isto acontece porque quando pedimos dinheiro emprestado (para enxugar o excedente de dólares existente) à qualquer banco que opera no Brasil, nos emitimos um título da dívida (isto é, lhe passamos o popular “vale”) e o entregamos ao nosso credor com juros pós-fixados (se o juro aumentar, o título da dívida, mesmo adquirido antes do aumento do juro, também aumenta) e correção cambial. E o pagamento que faremos será feito com base na taxa básica de juros, a SELIC. Quando maior a taxa, mais deveremos pagar. Logo, por conseqüência, menos sobrará para investimento na economia (infra-estrutura econômica, infra-estrutura social, cultura, lazer, segurança, etc.). Nossos credores, os bancos, agradecem! A imensa maioria da população, sofre.


Então, todos os anos grande parte do Orçamento Geral da União (45% de todo orçamento em 2010. Trocando em miúdos: 635 bi de R$) é destinado para para pagarmos os encargos (juros, amortizações e refinanciamento) desta dívida trilhonária (superior a 2,5 trilhões de reais).








Mas como o povo está pagando esta conta? Você já ouviu falar no "superávit primário" ? 


Trata-se é um termo usado pelos economistas para definir o dinheiro que um governo economiza para pagar os juros de sua dívida. Trocando em miúdos: uma "bolsa banqueiro". Isso significa menos investimento na economia, menos crescimentos econômico, menos geração de emprego, etc. 


Mas como se geram os superávits primários?




(a) Com a exportação. Estamos exportando privilegiadamente produtos primários (como soja e minérios, de baixo valor agregado, isso que somos uma das maiores economias do mundo, imagine se não fossemos);





(b) Elevação de impostos. Encaminhando uma porcentagem criminosa dos elevados impostos que se paga (que deveriam retornar à população com investimentos em saúde de qualidade, escolas de qualidade, etc.) para este pagamento.









(c) Investindo menos em saúde, educação, infra-estrutura econômica, cultura, lazer, esporte, etc.




3.2) Mas por quê juros tão elevados? O discurso oficial. Dizem os técnicos oficiais, ancorados na teoria econômica ortodoxa, que uma elevação na taxa básica de juros teria um impacto anti-inflacionário na medida em que freariam a demanda (o consumo) frente a uma capacidade produtiva relativamente menor da nossa indústria e agricultura. Mais consumo e menos oferta = inflação!
Então, a tese dominante é a de que a essência do risco de inflação no Brasil está intimamente ligado à demanda! E o remédio, amargo, é o aumento dos juros.



Apesar de mostrar uma tendência geral de decréscimo, a nossa taxa de juros continua a maior do mundo e penalizando a sociedade brasileira.


3.3.) Que efeitos geram os juros elevados? Além de aumentar o montante que devemos pagar aos nossos credores, os juros elevados contraem a atividade produtiva de nossa economia. Assim a economia cresce pouco (em relação ao seu potencial) fazendo que os níveis de emprego diminuam, fiquem próximos da estagnação ou cresçam muito aquém das capacidades reais. Crescer pouco penaliza a maior parte da população que, por ser trabalhadora, depende de uma economia pujante. O Brasil, o país mais desigual do mundo, não tem mais o direito de crescer a taxa inferiores ao que seria um crescimento chinês, por exemplo. Precisamos urgente erradicar a fome, a miséria, o analfabetismo, a ignorância, a desqualificação, etc.


Ao invés de apresentarmos um crescimento robusto em elevados patamares, sustentável ano após anos, temos um crescimento pífio, vulnerável, em "vôos de galinha".






Um problema adicional é que os bancos podem se recusar a realizar empréstimos ao setor produtivo em períodos de redução das taxas visando um posterior aumento. O setor produtivo, em conseqüência, não tem condições de pedir empréstimos para aumentar a produção que poderia se igualar à demanda (para afastar o risco de inflação) e aumentar o nível de emprego (o que redistribuiria mais renda).


Assim, em nome da contenção da inflação, a economia cresce pouco em comparação a sua potencialidade e gera menos empregos do que deveria. Além disso, coloca a sociedade toda em estado de alerta geral permanente em relação à inflação na medida em que não são atacadas as causas e sim os efeitos da inflação.





4) As relações de poder escondidas por trás do discurso técnico oficial e hegemônico.

4.1) A apropriação ideologica dos juros sobreposta à gerência técnico-científica e soberana da nossa econômica. Os detentores do poder político nos níveis nacional e internacional sentenciam que juros altos são necessários para conter a inflação. Sua retórica é facilitada pelo pavor do brasileiro ao retorno da hiperinflação dos anos 80 e 90 e pela cumplicidade dos grandes oligopólios da informação brasileiros.



A origem robustecida deste ciclo está na imposição do FMI (banco cujo maior acionista é os Estados Unidos) ao Brasil quando do empréstimo de 1998: o regime de “Metas de inflação”, atualmente situado em 4,5% ao ano. E para conter a inflação, você já sabe o "remédio" destes "médicos": elevação dos juros.

Ora, mas se os próprios dados do IBGE indicam, por exemplo, que a inflação de janeiro à abril de 2011 não teve como principal causa a demanda do consumidor e sim na elevação de preços do alimentos (por problemas de oferta) ou preços administrados pelo governo (taxas de saneamento e serviços públicos básicos, gasolina, telefonia, serviços bancários, etc.). 
Quer dizer, a nossa inflação não é gerada por excesso de demanda! É uma inflação essencialmente de preços! Então, se a explicação técnica é incorreta, os “competentes” “técnicos” à “serviço da nação” são muito, na verdade, incompetentes?

4.2) As relações de poder em relação ao comando da economia do Brasil (uma breve abstração). A resposta à pergunta anterior é NÃO. Não existe incompetência quando não se está preocupado com uma gerência que vise o desenvolvimento do país e um fortalescimento de sua população.

O que se está buscando preservar a todo custo é o Brasil enquanto palco internacional de acumulação especulativa fácil para o hegemônico capital financeiro.

A administração econômica do Brasil deve ser encarada no âmbito da luta de classes pelo controle das decisões econômicas fundamentais do Estado brasileiro: se ele estará a serviço de todos ou à serviço das burguesias (nacional e internacional, em geral associadas) rentistas e megacorporativas.



4.3) A CPI da dívida comprovou a farsa. E nada foi feito! Bom, é provável que você não saiba que o processo criminoso de endividamento brasileiro foi recentemente investigado por parlamentares. Seu relatório final foi publico no ano passado. Notícias importantes como esta não saudáveis aos olhos dos grandes oligopólios da informação, atrelados aos interesses financeiros.

A CPI buscou realizar um inventário do escandaloso crescente endividamento recente do Brasil. Três indagações, ao meu ver centrais, foram colocadas:

(a) Como é que pode um país ficar tão endividado e os serviços públicos e a infra-estrutura econômica não melhorarem? Endividar-se não é necessariamente ruim. Pode ser um meio de concretizar um planejamento que seria impossível sem recorrer à empréstimos. Estudam-se as necessidades reais, estuda-se onde captar estes recursos calculando o melhor custo-benefício e planeja-se como irá pagar.
Resultado da investigação: a nossa dívida pode ser traduzida metaforicamente como alguém que tira dinheiro do cheque-especial (que cobra mais de 100% ao ano) e coloca-se na poupança (que rende juros de 6% ao ano).

(b) O que faz a dívida aumentar? O gasto com a seguridade social (saúde, assistência social e previdência)? Com o funcionalismo público? Com saúde, educação e outros gastos sociais? Essa é a tese daqueles que hegemonizam o controle político da economia.
Resultado da investigação: a prática de "juros sobre juros" é quem está aumentando a nossa dívida e não os com seguridade e funcionalismo.

(c) Que parâmetros o BACEN utiliza para elevar os juros? Segundo o próprio BACEN, não existe um método científico, apenas uma consulta a analistas de mercado "independentes" (95% deles pertencentes ao setor fincanceiro).

Segue o link de um dos encontros da CPI da dívida pública. O economista Paulo Passarinho (também apresentador do programa de rádio que eu indiquei: http://www.programafaixalivre.org.br/) debateu com nada mais, nada menos que Armínio Fraga, um dos responsaveis por este modelo liberal periférico. Confira!


Em seguida um outro vídeo: a economista Maria Lúcia FattorelIi fala sobre a CPI da dívida e o processo de endividamento







4.3) As relações de poder e o BACEN (o caso concreto). A correlação de forças está tão desfavorável para aqueles que sonham com um Brasil mais justo, solidário e igualitário, que quando um militante sindical dos mais importantes na história global e uma ex-guerrilheira de esquerda assumem o cargo executivo mais alto da nação, ambos simplismente comprometem-se a manter a subserviência nacional. Como isso acontece? De várias maneiras. Uma delas, fundamental e que atesta muito bem o fato, é: ambos nomearam para presidente do Banco Central homens "confiáveis" e "independentes". Homens que não fazem os investidos estrangeiros (e nacionais) terem medo de evacuar seu dinheiro do dia para a noite por medo de criar riscos para o capital especulativo. Resumindo: homens que mostrem para o mundo que somos um país sem risco para quem quer enrriquecer fácil às custas da nossa economia. É este o chamado Risco Brasil. Não é o risco de a população do país passar por mais carestia ainda. É o risco do investidor. Daí a necessidade de, à frente de um banco central, estar um "confiável": permitir a maior remunação e sem perspectivas de calote por parte do Estado.



4.4) Confiáveis sim, independentes não! Para comprovarmos o grau de confiabilidade dos cavalheiros presidentes do BACEN basta que possamos recorrer à trajetória de cada um: todos ligados à grupos finaceiros privados. Vou citar apenas os três últimos presidentes do BACEN (poderia também colocar na lista os últimos ministros da Fazenda, de igual confiabilidade como Pedro Malan e Antônio Palocci). 


Armínio Fraga. Foi presidente do Banco Central do Brasil de 1 de março de 1999 a 17 de janeiro de 2003 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ocupou durante seis anos o cargo de diretor-gerente da Soros Fund Management LLC em Nova Iorque. Atualmente é membro do conselho de administração do Unibanco, hoje pertencente ao Itaú, um dos maiores beneficiários dos elevados juros.


Henrique Meirelles. Ex-deputado federal de Goiás pelo PSDB no governo LULA entre 2003 e 2011. PSDB? Mas como? Este não o partido do grande rival do PT em nível federal? Isso é um deboche com o eleitor. Sua carreira esteve ligada a altos cargos da administração da corporação financeira Bank Boston que também lucra muito com as nossas elevadas taxas de juros.

Alexandre Tombini. Escolhido pela presidenta Dilma. Formou-se bacharel em Economia pela Universidade de Brasília. É Ph.D no assunto pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. É funcionário de carreira do BACEN. Segundo Luiz Gustavo Medina, economista da M2 Investimentos, o fato de ser um funcionário de carreira indica que Tombini deve dar continuidade à política monetária, o que gera tranquilidade no mercado (Isto é on-line. 23.11.2010). Ai ai.

terça-feira, 15 de março de 2011

A importância histórica das técnicas de localização para a globalização


 EM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO: AMPLIAÇÃO, CORREÇÃO E COLOCAÇÃO DE FIGURAS.

Objetivo

Este pequeno texto tem como seu principal objetivo iniciar uma reflexão sobre aquelas aulas de geografia que parecem tão chata e tão simplórias que acabam por se perder nas mentes de muitos alunos e professores por serem consideradas “um saco” e também de ridícula importância. Me refiro à temática das técnicas de localização (meios de orientação e coordenadas geográficas) e a sua associação com linguagens de representação do espaço geográfico que auxiliam a localização (cartografia). Elas tem motivações importantes.

Em primeiro lugar: operar o espaço geográfico requer a habilidade de saber situar objetos, processos e fenômenos. Para realizarmos isso cotidianamente com sucesso, nós devemos treinar nosso cérebro para que ele possa realizar operações confiáveis de localização de maneira abstrata, isto é, localizar algo que não possamos tocar ou visualizar naquele momento. E para que possamos nos localizar geograficamente dentro de uma cidade, por exemplo, não precisamos usar a abstração genérica das latitudes e longitudes, basta que entendamos o significado do que é uma referência, de lateralidade (esquerda, direta), do que está atrás ou na frente, de distância etc. Mas e se a necessidade surgir quando estivermos em meio ao “nada” (?), sendo esse “nada” uma floresta densa pluvial ou um deserto imenso? E se for um grandessíssimo mar aberto?

É ai que entra o meu segundo motivo. Daí você poderá capciosamente me perguntar: “ – mas se nós não estamos em nenhum dos locais citados, já que a nossa vida cotidiana acontece na cidade, para que tudo isso?”. Por um motivo muito simples: tudo isso faz parte de como a humanidade, na sua luta para vencer as fricções impostas pelo espaço, aos poucos vai conseguindo, através de sua evolução técnica, se internacionalizar cada vez mais e criar as condições para livrar-se do reino da escassez. Toda técnica tem uma correspondência temporal e espacial. Ela nasce das necessidades sociais emersas em circunstâncias histórico-geográficas próprias e não de maneira aleatória ou espontânea. Uma das formas (não a única) de compreendermos a trajetória da humanidade sobre a Terra é justamente sabermos como foi que cada técnica surgiu ou foi adaptada para um determinado uso de consequência grandiosas. Essa noção de histórica deve ser estimulada.

Mas e a globalização? 


O que a globalização tem a ver com tudo isso? Tudo. A globalização faz parte de uma forma bastante sólida de compreender a evolução espacial e temporal da humanidade e ela está diretamente relacionada às técnicas.
Mas afinal, o que é globalização? Esta palavra não raro ressoa no ar propagada em ondas radiofônicas e televisivas e pela boca de muita gente. Neste texto vou colocar este fenômeno como podendo ser abordado por meio de dois (talvez os mais evidentes) caminhos distintos. Um destes caminhos é compreender a globalização como a etapa atual do capitalismo. Uma etapa que emerge de uma necessidade atual do capitalismo em integrar globalmente economias nacionais em meio a um ambiente neoliberal (de imposição de abertura econômica, desrregulamentação financeira, privatizações etc.) onde o sistema passa a contar com um poder avassalador do capital financeiro sobre o restante da sociedade. No discurso das estruturas hegemônicas de poder e das elites globais (burguesas) esta fase é tradada como uma finalidade natural do processo histórico humano, como algo irrevogável que esta criando uma verdadeira “aldeia global” onde todos nós devemos nos adaptar e aprender a viver. Mas é discurso ideológico disfarçado de diagnóstico neutro. O fundamental aqui é entender que a integração é meramente econômica, principalmente financeira. Está criando novos espaços de exclusão onde o desespero das pessoas passa a se traduzir em correntes de migração que esbarram na contenção das fronteiras nacionais dos países hegemônicos que são sempre seletivas: capitais, mercadorias, conhecimento e trabalhadores qualificados passam; trabalhadores em busca de melhores condições de vida não.
Para ajudar melhor na compreensão da globalização ai vai uma indicação de filme: Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá, de Sílvio Tendler. O filme baseia-se nas abordagens do professor Milton Santos sobre a temática da globalização. Segue o trailer.


Para saber um pouco mais sobre o grande professor Milton Santos dê uma olhada neste vídeo onde o Milton é entrevistado no Jô Soares em 1993. Depois olhe os demais vídeos sobre o professor no youtube como o outro que coloco a seguir sobre a sua presença no programa Roda Viva em 1997.



Esta forma de abordagem eu adotarei em um um outro texto. Agora irei me debruçar em outro de maneira bastante breve que também pode ser válido para abordar a globalização: consiste em tratá-la como um processo histórico de integração dos espaços geográficos (trocas, fluxos, moeda, pessoas) ao longo do tempo através da evolução técnica com períodos e maior ou menor intensidade. É esta a abordagem que iriei utilizar neste texto.
O movimento de integração global dos espaços surge juntamente com a humanidade e evolui com a sua condição técnica. Antes do capitalismo tornar-se uma realidade os pulsos de integração eram muito tímidos e construção de uma arquitetura global era lenta. A aceleração deste processo é garantida com o capitalismo que, em seu natural ímpeto de buscar novos espaços de realização da mais-valia, passará cada vez mais a dotar o planeta de suportes propícios a integração global.
Até a fase histórica das Grandes Navegações, os desertos e mares, as cordilheiras e as geleiras, eram barreiras quase intransponíveis ao movimento. O conhecimento sobre outros povos, quando não era inexistente ou então não passavam de lendas, limitava-se a escassas informações, imprecisas muitas vezes, que partiam da visão particular de certos mercadores, soldados e viajantes.
Das Grandes Navegações brotaram novos espaços a serem integrados ao impulso capitalista europeu que se propagava. Deste impulso emergiu o tráfico de especiarias, de plantas (principalmente aquelas com potencial comercial) e homens tornados escravos. Mais de 10 milhões de negros africanos foram sequestrados da África e distribuídos nas colônicas de exploração americanas (40% vieram parar no Brasil). Sobre isso indico um interessantíssimo filme: Brasil: uma história inconveniente, 2001, BBC.


Com a industrialização da economia capitalista iniciada na Grã-Bretanha e difundida depois para a Europa ocidental, Estados Unidos e Japão, o capitalismo ingressa em sua fase onde o capital financeiro e as práticas imperialistas tornam-se realidades fundamentais. É quando a globalização ganha um outro grande impulso que irá ocorrer novamente na segunda metade do século XX com as técnicas de informação da Terceira Revolução Industrial.

As coordenadas geográficas. Mas para que elas servem mesmo? E como funciona isso?

Desde a Antiguidade já temos as primeiras tentativas de localização. Tais tentativas são os embriões do nosso de coordenadas geográficas. Curiosamente (ou não) as formas encontradas para guiar a humanidade eram ainda um presente celeste, pois foi no céu, isto é, no espaço cósmico¹, onde são invisíveis quaisquer vestígios (à época com certeza eram) do trabalho humano, que as referências para o espaço geográfico foram buscadas.

Sabemos que para localizar qualquer objeto na superfície do planeta precisa-se de, no mínimo, duas indicações cruzadas: as latitudes e as longitudes. Isso se considerarmos, de forma adaptada, a superfície de três dimensões do nosso planeta (a realidade) como uma superfície de duas dimensões (mais simples), da mesma maneira que acontece nos mapas. Se quisermos ainda mais exatidão iremos buscar a terceira dimensão que nos falta: a altitude (que é diferente de altura, pois a altitude é marcada sempre em relação ao nível médio do mar e a altura tem sua medição partindo da superfície em que se está situado). Mas, enfim: o que concebemos hoje como sistema de coordenadas geográficas? Como ele funciona? Saber responder estas perguntas de maneira clara e abrangente nos possibilita evitar erros de interpretação por parte dos alunos.

O Sistema de coordenadas geográficas é um sistema global abstrato de linhas imaginárias que permite a localização de quaisquer objetos ou fenômenos na superfície terrestre. Não podemos visualizar, tocar ou sentir estas linhas. Elas são imaginárias. Elas podem somente ser representadas em mapas e em globos.

E como funciona? Funciona considerando a Terra como possuindo uma superfície plana, isto é, desconsidera as altitudes. Baseia-se em dois conjuntos de linhas imaginárias:

Paralelos: linhas traçadas paralelamente ao circulo máximo (linha do Equador) que formam círculos inteiros. Eles nos fornecem a LATITUDE que pode ser norte ou sul. Cada latitude varia de 0° (quando na linha do equador) até 90° norte (quando no polo norte) ou sul (se estiver no polo sul). Os paralelos possuem valorações naturalmente óbvias. Primeiramente, sabendo a direção do eixo de rotação da Terra, já temos os polos (90°). Em relação aos polos, traçamos a linha do Equador (círculo máximo, 0°) que divide o globo em dois hemisférios (hemi = metade; sphare = esfera): norte e sul. Depois temos os trópicos de Câncer (23,5°N) e Capricórnio (23,5°S), resultantes do valor da inclinação axial; e os Círculos polares Ártico (66,5°N) e Antártico (66,5°S) resultantes da subtração 90°-23,5°.

Meridianos: linhas traçadas de um polo a outro de maneira que forme, cada meridiano, um semicírculo de 180°. Dois meridianos quaisquer apresentam máxima separação ao cruzarem a linha do Equador, mas sempre convergem nos polos. Eles nos fornecem a LONGITUDE que varia de 0° até, por leste ou oeste, 180° (meridiano diametralmente oposto, isto é, seu antípoda [anti = contra; podos = pé]) que cruza uma parte da Rússia no estreito de Bering e uma das ilhas do arquipélago de Fiji, no Oceano Pacífico. Ao contrário das latitudes, o meridiano de referência, por uma questão geométrica, não pode se definido senão de maneira convencional. Internacionalmente, desde a Conferência Meridiana de 1884 (Washington), adotou-se o meridiano de Greenwich como o de referência, aquele divide o globo entre os hemisférios Leste (oriental) e Oeste (ocidental).



Mas atenção! Nos globos e nos mapas aparecem sempre alguns meridianos e alguns paralelos, geralmente aqueles que formam números inteiros (0°, 10°, 20°, 30°), mas na realidade existem tantos paralelos e meridianos quanto forem os espaços existentes na superfície terrestre.

Atenção novamente! É bom trabalhar com os alunos que as latitudes e longitudes são medidas em graus (°) cujo símbolo de sua representação é o mesmo para medição das temperaturas. Devemos enfatizar que neste caso estamos lidando com graus de ângulo cujas subdivisões são o minuto (‘) e o segundo (“) que podem levá-los a confundir com uma medida de tempo. Fica evidente aqui necessidade de alguns conceitos que devemos buscar na geometria. Os alunos devem estar cientes que um círculo (figura onde todos os pontos estão a uma certa distância, chamada raio, de um certo ponto, chamado centro) é dividido em 360°, exatamente como os Babilônios fizeram na Antiguidade.

Como latitudes e longitudes são medidas em graus de ângulo, alguns alunos podem não entender porquê e se perguntar: “ – onde estão estes ângulos?”. A resposta está na figura que segue. Os ângulos são arcos de paralelos (longitudes) e de meridianos (latitudes).



Último atenção. Nós, os professores e demais interessados devemos lembrar: linhas e pontos não existem, são abstrações humanas, um recurso didático. Toda matéria possui três dimensões! Se você visualizar alguma coisa neste mundo que contenha apenas uma dimensão e que seja linear ainda por cima, me avise!

A evolução das noções de localização

Peço aqui, antes de tudo, as minhas sinceras desculpas pela minha abordagem. O principal ramo evolutivo em relação às técnicas de localização que temos à disposição são aquelas forjadas pelos países atlânticos que colonizaram as Américas e a África cuja base técnica é herdeira de povos orientais (árabes, chineses, egípcios e outros tantos). Existe pouco conhecimento sobre as contribuições outros povos.

Um importante povo da Antiguidade, os fenícios, com suas embarcações de madeira de cedro e litorais com portos naturais (atual Líbano, Síria e Israel) foram os grandes navegadores e comerciantes deste período contribuindo para a ampliação dos horizontes geográficos, além da criação de um alfabeto fonético. Levavam a locais distantes seus produtos de luxo, entre eles seus tecidos tinturados com a cor púrpura conseguida extraída de um molusco abundante em seu litoral. A inovação técnica conseguida com o uso da quilha lhes deu maior precisão para navegar. E para esta tarefa, o céu era a referência: a constelação da ursa onde, em sua "calda", se encontra a estrela polar ou estrela do norte (verdadeiro).


A melhor contribuição dos povos antigos no que se refere a um sistema de localização global, nós herdamos dos gregos. Dois deles principalmente: Hiparco foi o primeiro a conceber a relação entre latitude e longitude e ainda registrou um mapa celeste com cerca de 850 estrelas; e Erastóstenes foi aquele à quem se atribui o mais antigo registro de mapa-múndi que possui as coordenadas geográficas como referência (LENCIONI, 1999).

Mais tarde os árabes se mostraram um povo com grande importância no aprimoramento e difusão de técnicas de localização bem como na ampliação do horizonte geográfico. A prática antiga da peregrinação em caravanas de comércio pelo deserto e mais tarde com a difusão da religião muçulmana que exige de seu fiel orar voltado para Meca e, ao menos um vez na vida, peregrinar até esta cidade sagrada, o senso de localização deste povo precisaria estar aguçado através da Lua e das estrelas (ibidem).


Parece evidente que o céu, desde os primórdios, foi o grande guia dos deslocamentos humanos por grande distâncias. É bom lembrar a lenda dos 3 Reais Magos. Como guiaram-se estes para chegar com presentes ao recém nascido Jesus? Por uma estrela. Qual estrela? A Polar. Hora! Sabia-se, deste as primeiras observações humanas mais atentas, que no céu do hemisfério norte apenas uma estrela está praticamente imóvel. E ela esta mesma estrela está situada praticamente sobre o polo norte geográfico da Terra. É a própria estrela Polar, também conhecida como estrela do norte. Esta é a melhor referência que existe no hemisfério norte.

Após o caótico século 14, onde a Peste Negra (pandemia de peste bubônica) e a guerra dos Cem Anos (1337-1453) devastaram a economia europeia bem como boa parte de sua população, a Europa no século 15 vinha em uma crescente econômica que começava a dar sinais de esgotamento devido tanto à (i) falta de fontes metálicas (esgotamento das minas para cunhagem de moedas em uma economia mercantil monetária que se difundia) quanto aos (ii) entraves gerados pelo monopólio do comércio de produtos de luxo (especiarias, porcelanas, ouro, tapetes etc.) vindos da Ásia (Pérsia e “Índias”, que hoje são países como a China, a Índia e outros do leste asiático) e do norte da África por parte das cidades do norte da Itália (Veneza, Gênova e Florença) em conluio com os árabes. Os preços pagos pelas elites europeias por estes produtos eram elevados justamente pelo poder de monopólio existente. Eis que chegar às famosas “Índias” para baratear o preço em cada país e garantir para si aquele monopólio tão valioso era a menina dos olhos nas monarquias absolutistas e da burguesia nascentes.



Portugal, por uma série de razões combinadas, foi a pioneira a lançar-se ao mar. Entre as principais circunstâncias históricas estão a precoce centralização do poder na figura de um monarca absoluto capaz de fazer convergir os esforços nacionais (impostos, formação de um exército) para, primeiro expulsar os árabes muçulmanos de seu território e depois voltar-se à empreitada além-mar. Obvio que a posição geográfica de nação espremida entre reinos que mais tarde seriam a atual Espanha combinados com seu solo pobre relegaram à Portugal o destino do mar. É importante lembrar que Lisboa fora ponto intermediário no comércio que as cidades italianas tinham com as cidades do norte europeu. Logo, a troca de ideias e experiências náuticas bem como de dinheiro, nos ajuda a compreender o pioneirismo luso.

Aquele pequeno país do sudoeste da Europa continental, ao longo dos anos foi forjando a ideia de atingir as Índias contornando a massa de terras ao sul, isto é, a África. Este trajetória hoje nós chamamos de Périplo africano. A ideia posta em prática por Colombo, que inclusive fora oferecida ao rei de Portugal (e rejeitada), era atingir a Índia viajando para oeste. Era uma ideia cuja base de argumentação concebia a Terra como redonda, chamamos de Circunavegação.



O grande avanço das técnicas de localização emerge com a necessidade de navegação em alto mar. E este avanço acontece conjuntamente com outros dignos de nota: as técnicas de cartografia e de embarcação. Na navegação praticada até então, seja dentro do mar Mediterrâneo onde se conheciam muitas rotas por entre as suas ilhas ou seja pela costa dos países, não existia uma demanda tão urgente pela precisão das coordenadas geográficas baseadas nos astros celestes ou então por mapas com precisão elevada.  As principais referências eram visíveis (enseadas, cabos, montanhas, deltas etc.), o que em  alto-mar é inexistente. É importante notar que as formas mais precisas de localização vão sendo perseguidas na medida em que a necessidade de navegar em alto-mar se faz uma exigência.

Como a base técnica disponível à época nos colocava na total dependência da força e da regularidade dos ventos (geradas por desequilíbrios de pressão atmosférica, um fruto da distribuição desigual do aporte de energia solar sobre a Terra), isto é, da energia eólica, surgia grande problemas quando se atingiam zonas onde os ventos predominantes (ventos alísios) e as corrente marinhas superficiais não eram favoráveis. Quando esta situação acontecia, o retorno das expedições costeiras de Portugal pela África ocidental só poderia ser realizado através de um “balão” oceano à dentro. No caso de Colombo, que acreditava que rumando para oeste chegaria às Índias, não havia outra opção a não ser penetrar ainda mais no Atlântico.



É então com a transição forçada de uma navegação de cabotagem (costeira) para a navegação astronômica (em alto-mar onde a única referência são os astros), que a necessidade de criar e aperfeiçoar todo um conjunto de métodos de navegação torna-se um imperativo.

Na cartografia os mapas mais usados inicialmente, desde do seu desenvolvimento, no século 13, eram as cartas-portulano: representações com descrições pormenorizadas da costa por onde os navegantes passavam. O objetivo era guiar os navegadores de porto a porto. Cada navegante ia até um determinado trecho e trazia de lá mais descrições a serem aproveitadas pela expedição seguinte. Mas agora isso não mais servia. Em alto-mar não existe uma costa à vista em que se guiar. Só o céu poderia dar as pistas bem como mapas precisos e bem orientados. A necessidade de mapa precisos podia ser medida pela quantia de dinheiro investida em cada expedição. O risco era elevado, logo a busca por métodos cartográficos eficazes era fundamental.


Mercator resolveu a questão com uma tipo de mapa que representava as chamadas linhas de rumo (ou loxodrômica) retas e sem distorção em alto-mar. Isso foi possível graças aos descobrimentos do português Pedro Nunes que evidenciou os erros nos rumos contidos nas cartas-portulano. Nunes sabia que, em uma esfera, a menor distância entre dois pontos era um arco. Porém, em um mapa, um rumo em formato de arco seria algo incômodo para os navegantes. Mercator (1569) desenvolveu então uma projeção onde os rumos permaneceriam linhas eram retas, bastando o auxilio de uma bússola. Ele conseguiu isso com um mapa onde os paralelos e meridianos formavam uma grade. Os paralelos, à medida em que aumentam as latitudes, aumentam as distancias entre si. A loxodromia não é a menor distancia entre dois pontos (este é o caso da linha ortodrômica, um arco de círculo máximo, que em seu mapa é uma linha curva), mas possibilita uma maior confiabilidade na navegação.



No que diz repeito às embarcações temos o aperfeiçoamento da caravela, trazida ao conhecimento europeu pelo árabes, com a invenção das velas triangulares (chamada de velas latinas) que permitiam maior navegabilidade com ventos desfavoráveis através de percursos em zigue-zague (ato conhecido como bolinar) e, por serem pequenas (geralmente até 20 homens), podiam mover-se através de remos. Mas com o tempo surge a necessidade de expedições mais longínquas e que demandavam mais suporte material: homens e armamentos para combate ao corso e à pirataria e mercadorias. É quando será mais utilizada a nau. Será com ela que Cabral chegará ao Brasil, por exemplo. O galeão será uma outra embarcação cujo grande mérito era a sua facilidade de manobras em meio às não raras guerras navais.



Em relação aos métodos de coordenação no espaço, medidas eficientes de latitudes já eram conseguidas com a observação das estrelas desde a Antiguidade. As estrelas foram importantes para os viajantes antigos que atravessavam desertos e para a empreitada das Grandes Navegações atlânticas. As mais importantes estrelas são aquelas que geram uma referência fixa ao longo de um ano e ao longo do dia (no caso do Sol, a nossa estrela). Com esta referência fixa poderíamos medir o seu ângulo em relação à linha do horizonte, o resultado seria o valor da latitude do viajante. Sendo assim, no hemisfério norte esta referência é a estrela polar que está situada praticamente (não exatamente na verdade) sobre o polo norte. A Estrela polar era a referência durante as noites para os navegantes do hemisfério norte. Assim, facilmente obtinha-se a latitude do local.

Como o plano português era o de navegar para sul contornando a África, eles acabaram ultrapassando a linha do Equador chegando aos domínios do hemisfério sul onde a estrela polar não pode ser mais visualizada. Tornava eminente a necessidade de encontrar outra para a navegação noturna. Sendo assim convencionou-se usar a constelação do Cruzeiro do Sul que, ao longo do ano, efetua um giro completo (de 360°) em torno do polo sul celeste. Este polo quando achado, deveria ter seu ângulo medido em relação à linha do horizonte e pimba: estava medida a latitude no hemisfério sul.


As principais bases técnicas de medição das latitudes já existiam, necessitando apenas adaptações para a navegação. Entre os principais instrumentos de medição de latitude tínhamos o astrolábio (para mediar a altura solar), a balestilha e o quadrante (mediam a altura de uma estrela de referência). A bússola que era outro artigo fundamental fora desenvolvida a muito tempo pelos chineses.


Mas como se mede uma latitude através de uma estrela? Simples: basta (i) identificar qual é a referência (ou a estrela Polar no hemisfério norte ou então o ponto do céu onde o Cruzeiro do Sul executa o seu giro no caso do hemisfério sul); (ii) depois é só medir a altura do astro com algum instrumento. Esta altura é, na verdade, o ângulo que a referência usada faz com a linha do horizonte. O valor deste ângulo será igual a latitude do local onde é feita esta operação. Observe a figura anterior.
 



O problema das longitudes

O grande problema da época era mesmo conseguir a medição das longitudes. Isso tornou-se um dos grandes temas científicos e tecnológicos da historia e só pôde ser sanado com grande satisfação após a invenção do cronômetro (Cronos, deus grego do tempo) no século XVIII. Teoricamente conhecia-se a sua forma de obtenção. Sabia-se, por exemplo, que uma das formas seria obter a diferença horária entre os pontos de partida da embarcação e a localização em mar da mesma, o que até então era impossibilitado pela inexistência do instrumental que permitisse a construção de um relógio que tivesse um movimento regular e capacidade de conservar esta regularidade mesmo durante o transporte no alto-mar.

Na época o único método usado para a obtenção da longitude era a estima, o que por vezes originava erros por demais grosseiros. Graças à sua experiencia alguns pilotos obtinham resultados satisfatórios mas sempre sujeitos a dúvidas. A estima era resultante do rumo que o navio levava, da velocidade, o que era feita literalmente "a olho" e do tempo percorrido com o uso de ampulhetas.²

Boa parte da navegação pelo Atlântico deu-se baseada apenas na latitude, nas cartas pormenorizadas, em tábuas de posição dos astros e na experiência dos pilotos. Mesmo assim, o sucesso nunca era garantido, o que obrigava as embarcações a realizarem rotas conhecidas com paradas em certas ilhas costumeiras, o que tornava mais fácil a vida de piratas e corsários. Sendo assim, reduzir os riscos de prejuízo das expedições comerciais era um imperativo para o capitalismo em nascimento. Essa redução de riscos passava pela descoberta de um cálculo eficiente de longitudes.

Quando a Espanha encontrava-se em situação de liderança privilegiada, graças a prática da espoliação dos povos americanos (Maias, Incas e Astecas), a sua coroa oferecia gordos prêmios para quem conseguisse com sucesso criar um método para determinar as longitudes. Alguns, por exemplo, tentaram basear-se na regularidade lunar, outros, como Galileu, tentou usar como base as luas (satélites naturais) de Júpiter. Sem sucesso. Com a decadência espanhola dois países passaram a disputar a primazia da descoberta da determinação da longitude: a França (1669) e a Inglaterra (1675). Ambos irão construir observatórios, contratar astrônomos e incentivar a pesquisa nesta área com oferta de prêmios, por exemplo, para que determinasse longitudes com erro menor que 0,5° como aconteceu na Inglaterra. Isaac Newton tentou um método com base na lua, mas somente em 1735, quando foi apresentado um novo relógio construído por John Harrison (1695 – 1776), que o problema estaria resolvido.

O problema das longitudes suscitou o estudo dos movimentos dos astros, levando à criação de observatórios astronômicos nacionais. O estudo intenso dos movimentos celestes levou a formulação de importantes leis físicas como a Lei da Gravitação Universal de Newton. Esta lei, passada para forma de equações diferenciais, fomentou o desenvolvimento de vastas áreas da análise infinitesimal. Em particular, o cálculo do movimento da Lua obrigou a uma investigação intensa sobre os desenvolvimentos em série. Todos os matemáticos importantes do século XVIII foram também astrônomos e mecânicos celestes, à exceção de Leibniz e Monge.
Notas
¹ Cosmos é uma palavra de origem grega que significa ordem, harmonia etc. Designa o universo em sua totalidade, ordenado. A Terra também faz parte do cosmos, mas neste texto coloco o espaço cósmico como sendo o espaço extra-terrestre, extra-humano.
² Texto do site da Associação Nacional dos Cruzeiros

Bibliografia
LENCIONE, Sandra. Região e Geografia. São Paulo: Editora da USP, 1999.


Bibliografia (sites)